Era manhã, uma igual as outras. Levantei-me, tomei o pequeno-almoço, fumei o meu cigarro e novamente não me apetecia ir trabalhar, mas desta vez a vontade de não ir trabalhar era maior que nos outros dias. Estava sol e pairava no ar um cheiro a flores campestres como se a Primavera tivesse chegado, apesar de ser Inverno. Apetecia-me sair de casa e passear pelo jardim, sentar-me na esplanada à beira-rio a ler o jornal e a beber café, ir para um sítio onde as pessoas sorriem e convivem por conformidade e porque são obrigados a trabalharem uns com os outros era última coisa que me apetecia. Queria respirar um pouco de liberdade e ver a vida passar por uns instantes, parar para ver a vida que existe a minha volta e senti-la girar a minha volta sem que me toca-se. Queria caminhar como se o quotidiano do cidadão comum não me disse-se respeito, passar por tudo e todos como se não fosse algo mais que uma sombra. Queria ser um fantasma à deriva no mundo, ver tudo e todos e encontrar alguém igual a mim, também perdido e sem rumo, alguém que reconhece-se à primeira vista sem proferir-mos uma palavra que fosse. Queria perder-me no tempo, no espaço e nos seus braços, sufocar nos cabelos dela, desaparecer da face do mundo sem que ninguém me procura-se ou senti-se a minha falta, lembrar-se-iam única e exclusivamente que em tempos havia alguém e que agora desapareceu, como ou porquê não interessa porque eles próprios não quereriam saber. Queria passar a eternidade com a cabeça no colo dela, num banco de jardim, ouvindo o som do rio, do vento nas árvores, dos pássaros a cantar, das crianças a correr, sentindo o cheiro da brisa marinha, de castanhas assadas e do perfume dela.
Ela, ela, ela. Quem é ela, quem és tu com quem eu sonho recorrentemente? Nos meus sonhos o teu perfume é quase real, parece que ainda o sinto como naquele dia em que a vontade era menos que nenhuma. Os meus delírios confundem-me, deixam-me perdido, desorientado e ela não é real, apenas o dia-a-dia existe, os sonhos existem numa realidade própria que não a nossa e definitivamente não existe na minha realidade diária e ela não passa precisamente disse: um sonho. Vou-me embora, vou sonhar pode ser que a encontre, pode ser que lhe pergunte porque me atormenta ela nos meus sonhos, porque me persegue ou talvez me deixe ficar na sua companhia até ser manhã e a realidade me arrancar do mundo dela e me trazer de volta ao meu.